domingo, 20 de janeiro de 2013

A bailarina

Com a música tamborilando na mente, Elena dava passos leves, acanhados, pelo metrô sujo enquanto relembrava os movimentos da coreografia ensaiada a pouco. No pensamento, a estação estava vazia, pouco iluminada. Apenas um feixe de luz que movia-se na sua frente, iluminando seu caminho e seus saltitares. Ela com os pés descalços no chão frio sentia todas as vibrações daquele lugar,daquela superfície rígida e gélida. Ela descansava seus pés doloridos, sempre doloridos. 
Era incrível a sensação de encontro que tinha com ela mesma quando só a música
e a vontade de dançar habitavam sua mente. Pensava em voz alta, sonhava em voz alta. Sonhava com o corpo, mesmo que tudo persistisse em parecer sonho. A cabeça fervia de tanto imaginar. E o seu corpo, esbelto, só esboçava movimentos de bailarina. O coração, este incessantemente procurava a maneira perfeita de ser menos solitário, menos machucado. A música preenchia a estação, preenchia seus sentidos e na mente ela bailava. Todos os passos sem razão casavam perfeitamente com sua mente musicalista e perturbada pela solidão. Nada disso tinha relevância agora, pensou. Queria ser música e só. 
Depois decidiria o que fazer com o resto.



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Nome para nó(s)


Nomes nomeiam nomes normais, naturais. 
Nomes, nomeados por mais nomes, que se deixam nomear. 
Nomes e mais nomes.
Nomes para nomear, nomes para nós. 
Nomes para um nó. Nós. 
Nomes para dois e nada...
Nada..só nós. Só nomes. 
E mais nós. E mais nada


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O meu dono é a solidão

Laura era escritora.
Era jovem, passional, intensa,  instintiva, impulsiva; daquelas que se entrega a um sentimento a ponto de só abandoná-lo por outro mais forte ainda. E vivia. Todos. Um por um, independente de duração ou motivo, com a mesma intensidade. Adorava apresentar-se aos outros. Tinha um sorriso exuberante e sabia disso. Essa era a sua arma. Seu jeito simples e agradável, que mesmo sendo encantador, a fez sofrer muitas vezes.  

Queria viver mais, o tempo todo viver mais, sentir mais, desejar mais. E buscava por mais amores e coleções constantemente. Quase ironicamente, seus romances não duravam absolutamente nada. Adorava a sua mania de querer enxergar através das aparências e apaixonar-se por isso. Por sofrer demais, decidiu abandonar os famosos "amores a primeira vista". Mas as vezes, essa tarefa era impossível. 
A noite estava calma, passiva, vazia e convidativa. 
Precisava sair. Seu apartamento anoite era absurdamente solitário. De novo, precisava sair. 
Ela foi sozinha. Já estava triste demais para permitir-se ficar mais ainda. Imaginava histórias, desculpas e sonhos. Mas ainda assim, foi. Foi e queria se arrepender disso. Entretanto, não chegou nem perto.
O lugar não estava cheio. Sentia vontade de beber (de novo). Podia até sentir a cerveja gelada descendo pela quente e sedenta garganta seca. Conteve-se. Precisava que fosse assim pelo menos por hora.
Não demorou até o palco ser ocupado por três ou quatro caras com guitarras e microfones.
Sentou-se e decidiu ouvir o show. Queria se arrepender disso, mas não chegou nem perto.
A música começou após alguns minutos. A música falava sobre a cidade...e nossa, como ela amava aquela cidade...teve vontade de cantar mesmo sem fazer ideia alguma da letra. O rapaz com a guitarra na mão e o microfone tinha uma linda voz. Parecia ver o quanto ela precisava que cantassem para ela. E cantou. Mas o tempo todo achou que estava vendo coisas, que era a bebida fazendo seu trabalho. Ainda assim não deixou de prestar atenção na letra e em como ela era bonita...em como ele tinha uma linda voz, uma belíssima, incrível voz. 

Ela enfim, acendeu um cigarro. Foi um alívio, um refúgio. O lugar era escuro, mas ainda era possível enxergar através da pouca luz o caminho da fumaça e como ela dançava, vagando, livre e plena pelo ar. A letra ainda era cantada, a melodia ainda ecoava na sala. A fumaça parecia realmente bailar ao som daquela canção...falava de solidão, falava de desejo. Ela entendia tão perfeitamente essa parte e decorou. Decorou e cantava com os olhos fechados. Sua nuca estava formigando. Passou a mão esquerda levemente sobre ela, dando graças a Deus que seu cabelo estava curto como desejava.
Do palco ele a observava, cantava e sorria. Estava realmente dirigindo-se a ela. Inacreditável, pensou.
Decidiu começar a prestar atenção nele também. Cabelo bagunçado, alto, magro, com barba, botas e uma voz encantadora. Ele sorria para aquela estranha mulher sentada sozinha no centro do bar. Ela, pela primeira vez, sorriu de volta. O cigarro acabou rápido demais. Acendeu outro. Ele ainda cantava.
Sentiu vontade de subir ao palco e lhe entregar um. Será que ele fumava? Bom, tinha cara. Ele sorriu de novo. Ela ficou envergonhada e se concentrou no cigarro. Entre goles de cerveja, fumaça e letras, Laura finalmente enxergou os olhos. Olhos distantes, pensativos, profundos. Poderia perder horas ali. Quando prestou atenção na voz novamente, a música acabou.
Queria beijá-lo.
Apostou consigo mesma que se ele fumasse, aproximaria-se. E como desejou que ele fumasse, meu Deus, como desejou. Ele parecia tão estranhamente bonito, tão passional e atraente. Fascinou-se. 

Dez minutos depois, no meio de outra música ele tirou um cigarro do bolso da jaqueta e acendeu-o. Seria destino? Ou coincidência? Preferia acreditar que "nada é coincidência, tudo está escrito". Ignorou o motivo e simplesmente deu uma risada abafada, tímida. "Incrível", pensou. Ele segurava o cigarro nos dedos com uma naturalidade...parecia uma extensão do seu corpo.
Laura pediu outra cerveja, só para poder rir mais um pouco. De novo reparou na voz dele...que voz maravilhosa. Prometera a si mesma não apaixonar-se por detalhes aparentes, mas era impossível. E ele estava tão bonito imerso naquela fumaça toda...Ainda queria beijá-lo.
O que será que pensava? Ele não parava de encará-la. O tempo foi passando, as músicas acabando e os cigarros também. 

Desceram do pequeno palco. Ele ficou sentado na beira do mesmo, fumando. E a olhava com o canto do olho. Ela decidiu que cairia em sua aposta e aproveitando que ele estava sozinho, pegou a garrafa de cerveja, apagou o cigarro e levantou-se.
Caminhava distraída. desajeitada e ao mesmo tempo graciosa. Única, ele pensou. Até que finalmente sentou ao lado dele.
-Quer um gole? - ofereceu a ele a garrafa de cerveja já não tão gelada. Ele sorriu como um agradecimento e deu um merecido gole. - Laura - estendeu a mão para cumprimentá-lo. Ele sorriu novamente, parecendo ainda mais alegre. Apertou a mão dela.
- Nomes...não fazem diferença - deu uma risada doce e a voz...era realmente maravilhosa.- Mas o seu é lindo- Ela riu também, um pouco tímida. Ele ainda tinha um cigarro na mão. Ela tirou o último cigarro da bolsa e estendeu a ele, para que o acendesse.
- Importa-se? - perguntou. Ele fitou-a por um momento como resposta. Fixo, impenetrável, incrivelmente bonito. Acendeu o cigarro para ela. E Laura, com seu jeito passional, tragou-o como se o cigarro fosse o rapaz ao seu lado. - Então...- ela soltou a fumaça lentamente, um gesto simples que deixou-o intrigado - é você que canta...? - sorriu e decidiu encarar aqueles olhos; e assim fez. Ele olhou de volta. Olhou a boca, o cabelo curto  que acentuavam os ombros e o pescoço, visíveis e convidativos, voltou-se para os olhos. Claros, grandes, lindos. Tragou o cigarro, soprou a fumaça lentamente, como ela havia feito. E apenas sorriu.
Ela entendeu. E mesmo que fosse apenas mais um caso, mais um nome na lista, como ele havia dito, nomes, não fazem diferença. Seria mais um momento, mais uma paixão. E ela dependia delas, alimentava-se delas e não se desvencilharia disso tão facilmente. Mas ela gostava. Na verdade, amava. Amava essa vontade recíproca de fazer da noite, nem que fosse apenas uma, única e inesquecível.
Ela passou a mão na nuca, nos cabelos, tímida e inconscientemente. Sorriu de volta para ele. Tragou o cigarro e pensou: a noite seria dele.